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Abertura da Temporada / Metropolitana 2013-14

CONCERTO | 14 setembro | 21h30 | Sala de Leitura Geral | Entrada livre

 


Igor StravinskyPulcinella, Suite do Bailado

Paul Hindemith – Sinfonia Mathis der Maler

Direção musical - Pedro Amaral

 

 

Notas ao Programa
por Rui Campos Leitão

A oposição entre a ideia de uma estética musical que proclama a autonomia da arte dos sons e aquela outra que busca uma síntese idealizada entre a música e outros domínios da existência humana – por exemplo, a pintura ou a literatura – foi motivo de acesos debates intelectuais ao longo do século XIX. Já nos nossos dias, esta é uma questão que, podendo-se colocar no contexto de uma reflexão de cariz filosófico, raramente impõe que se tome partido por um dos lados. Tal não acontece porque a dicotomia se tenha revelado absurda, mas porque argumentos infindos foram esgrimidos, sucessivamente depurados, sem que nunca se declarasse uma parte vencedora – de certa forma, trata-se de um «problema existencial», em matéria de Música. Além disso, este distanciamento resulta da própria evolução que se fez sentir na prática musical. Desde finais daquele século, foram desbravados caminhos por vários compositores, tais como Mahler e Debussy, que souberam mover-se com destreza nos limites das convenções, desfazendo-se delas. Daí em diante, muito outros lhes deram seguimento, grande parte reconhecendo no espaço cénico um terreno particularmente fértil para o desenvolvimento de novas ideias.

 

Tornou-se também evidente que a música duma ópera, ou dum bailado, presta-se com renovado propósito a uma escuta exclusiva, em formato de concerto, desde que sejam feitas as necessárias adaptações. Abalou-se o preconceito que insiste em hierarquizar os diferentes géneros musicais, considerando com desassombro a vocação que lhes é própria. Neste concerto são interpretadas duas obras que, precisamente, tiveram origem no bailado e na ópera, mas cuja música se emancipou numa dimensão exclusivamente instrumental. Primeiro, a suite Pulcinella, um dos bailados de Stravinsky por si reorquestrados no período que se seguiu à Segunda Grande Guerra. Depois, é dado lugar a Hindemith, de quem agora se assinalam os cinquenta anos da morte. O compositor alemão baseou esta sinfonia na música da ópera em que se encontrava a trabalhar em 1934, Mathis der Maler. Respondeu assim ao desafio do maestro Wilhelm Furtwängler, que, com a Orquestra Filarmónica de Berlim, se propunha revelar um pouco desse ambicioso projeto.

Na origem, o bailado Pulcinella é composto de um só ato e foi estreado na Ópera de Paris em 1920, com cenários de Picasso e coreografia de Massine. O libreto resulta da adaptação napolitana do Arlequim, a célebre personagem masculina da commedia dell’arte, figura-tipo de carácter burlesco, corcunda, com uma grande barriga, de nariz recurvado. Na sua essência, representa um homem do povo, simultaneamente mandrião e cheio de astúcia. O enredo desenvolve-se em torno das suas aventuras amorosas, em que Columbina dá lugar a Pimpinella e onde também intervêm o seu amigo Furbo, que a dada altura se disfarça de feiticeiro, e mais umas quantas personagens, entre elas dois pares amorosos que se juntam no final ao seu casamento. Esta foi uma partitura charneira na carreira de Stravinsky. Traduziu-se num despertado interesse pela música do passado, o qual inspirou grande parte do seu catálogo subsequente com pendor neoclássico. A obra tem na sua origem algumas partituras que, pretensamente, são da autoria do compositor italiano do período barroco Giovanni Battista Pergolesi. Porém, na prática, a sua presença só se faz sentir numas poucas secções orquestrais e nas partes vocais do bailado – estando estas últimas excluídas desta suite instrumental. O resultado foi uma obra destituída da proeminência rítmica que havia sido patente nas anteriores colaborações com os Ballets Russes, mas que não esconde a identidade da primeira fase criativa de Stravinsky.

Já a sinfonia de Hindemith é um tríptico musical, em boa medida espelhando o Retábulo de Issenheim, a obra mais célebre do pintor alemão Matthias Grünewald, que viveu as décadas de transição entre os séculos XV e XVI. Grünewald inspirou a criação da personagem principal da ópera. Ele ter-se-á juntado aos camponeses na revolta de 1524 e 1525 contra os senhores feudais. Florescia então a reforma luterana, mas também se defendiam alternativas que rejeitavam a submissão passiva da população à autoridade. O libreto da ópera é, na substância, uma profunda reflexão sobre a consciência cívica do artista e sobre a função do seu trabalho na sociedade. Afinal, reflete a inquietação política e social dos anos 1930 na Alemanha, em particular as perplexidades que Hindemith terá vivido nessa época, num contexto de grande tensão onde emergia a figura de Hitler. Inevitavelmente, a sua música foi proibida pelo regime em 1936.

Aquele retábulo permite três disposições diferentes, mostrando diferentes pinturas conforme o calendário litúrgico. Cada uma delas vê um pormenor refletido num dos andamentos da sinfonia. O primeiro coincide rigorosamente com o prelúdio da ópera. Intitula-se «O concerto dos anjos» e dialoga com um dos painéis centrais, onde se vê Maria embalando Jesus diante de uma orquestra constituída por anjos. Hindemith utilizou para o efeito uma melodia tradicional alemã do início do século XVII: «Três anjos cantavam uma doce canção». O segundo andamento, «Descida ao túmulo», está baseado no painel fixado na fronte da base. Aí, vê-se Cristo a ser levado para a sepultura. Na ópera, ouve-se essa mesma música como interlúdio entre as duas últimas cenas, quando a filha do camponês revoltoso morre, e também no final, quando Grünewald se despede da vida. «As tentações de Santo António», o último andamento, ilustra musicalmente o painel lateral em que se vê Santo António a ser atormentado por demónios, numa expressão figurativa que nos lembra Hieronymus de Bosch.