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Visita guiada por Eduardo Lourenço

junho 5 : 15h00

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Eduardo Lourenço: um tempo e as suas cinzas

MOSTRA | 20 maio - 13 julho | Sala de Referência | Entrada livre

VISITA GUIADA | 5 junho | 15h00 | Entrada livre sujeita a Este endereço de e-mail está protegido de spam bots, pelo que necessita do Javascript activado para o visualizar

CONFERÊNCIA Eduardo Lourenço. Uma escrita desperta | com Mário Soares e Gonçalo M. Tavares | 5 junho | 16h30 | Entrada livre

 

Por ocasião dos 90 anos de Eduardo Lourenço, a BNP apresenta uma mostra que reúne sobretudo materiais do acervo do autor, mas também da Coleção de João Nuno Alçada, designadamente bibliografia de e sobre Eduardo Lourenço, manuscritos, fotografias, cartazes, recortes de jornal, entre outros. A mostra apresenta desde boletins de matrícula e cadernetas escolares de Eduardo Lourenço até aos manuscritos das suas principais obras, alguns corrigidos a lápis pela mulher Annie Salomon, às obras impressas, respetivas traduções, correspondência com as editoras, entre outros.

 

eduardo_lourencoCoimbra 13-9-53

«Tudo quanto toquei me formou e deformou. Como um búzio desejei guardar o mar dentro de mim. De todas as experiências, a que me marcou mais fundo foi a literatura. Nunca fui leitor de um só livro. Isto não é um elogio. É uma verificação e uma melancolia. Seria impossível para mim mesmo estabelecer qualquer hierarquia entre as influências sofridas. Foram inumeráveis, constantes e contraditórias. Durante muitos anos pensei que isso me incapacitasse para chegar a ver claro, e por mim mesmo, o fundo das questões que importam na vida. Tive medo que se cumprisse o vaticínio da cristã fervorosa e simples que era minha mãe: ”leste tanto que tresleste”. Nem ela sabia até que ponto a sua lucidez materna acertava no alvo. Creio que, apesar de tudo, no fundo do seu coração, não o acreditava. Eu debatia-me numa torrente onde nenhum amor me podia socorrer. Apesar disso nunca perdi a esperança de encontrar uma saída para a confusão e o tumulto desse mundo escrito que pouco a pouco trocara pelo mundo real.


Seria cego se pensasse que encontrei por fim essa saída. Todavia já não me sinto perdido como sentia. De uma forma misteriosa para mim mesmo o caos de todos estes anos lidos foi-se organizando e agora o tumulto das coisas, das ideias, dos acontecimentos, das opiniões e dos valores, em vez de me arrastar após si, permanece em frente do meu espírito. Posso tocá-lo, compará-lo, colocá-lo aqui e ali, pondo à distância. Em suma, pareço um pouco mais o dono dele e posso apascentá-lo como o incomparável Caeiro ao rebanho dos seus pensamentos.

O que se passou ao longo destes anos da minha educação foi talvez mais simples do que eu imaginara. Falei de influências e nada mais exacto. A verdade é um pouco diferente. Fui durante muitos anos, na infância e na adolescência, uma argila moldável mas nunca me assemelhei à cera. O fogo endureceu-me, não me dissolveu. O meu inimigo mortal, cedo o suspeitei, foi o amor. Ele me destruiu antes que a vida, com o seu tormento misericordioso, me tocasse. Sem os livros onde se ama e se é amado por procuração, o meu destino teria sido o da estátua de sal, com o deserto de amor à minha volta. Com os livros foi o de um labirinto atapetado de olhares familiares que, como nos sonhos, piedosamente me assassinam.»

Eduardo Lourenço