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Maria Helena da Rocha Pereira (1925-2017)

NOTÍCIA | 10 abril 2017


Durante mais de meio século, os estudos clássicos em Portugal confundiram-se com o labor esforçado, paciente e meticuloso de Maria Helena da Rocha Pereira, a quem coube elevar o nível de exigência e rigor numa área do saber até aí marcada por «[…] generalizações apressadas e belas construções retóricas [..]», como lembrou num dos seus prefácios.


A sua devoção aos estudos clássicos foi ampla e multímoda, acessível, útil, formativa, enquadrada no magistério académico que extravasava o espaço da universidade e conquistava um vasto público curioso aspirando a obras de boa divulgação científica. Ofereceu aos leitores de língua portuguesa uma panorâmica da cultura clássica, grega e latina, materializada em trabalhos como: Estudos de história da cultura clássica; Hélade: antologia da cultura grega; Poesia grega arcaica: antologia; ou Sete odes de Píndaro, ao mesmo tempo que não deixava também de procurar nas letras portuguesas os reflexos inspiradores da literatura da antiguidade clássica, em obras como: Temas clássicos na poesia portuguesa; O tema da metamorfose na poesia camoniana; Reflexos horacianos nas odes de Correia Garção e Fernando Pessoa; ou Reflexos portugueses da IV bucólica de Virgílio. Dessa preocupação de receção, procurou, também, em breve mas bem-sucedido trabalho interdisciplinar com arqueólogos e historiadores de arte, estudar os vestígios materiais da cultura grega em Portugal (Estudo dos vasos gregos de Lisboa).


Como tradutora dos clássicos, copiosamente explicados por prefácios e notas que eram sólidos guias de introdução à leitura e compreensão da tessitura dos mesmos, exercícios didáticos em que exibia uma notável erudição, jamais nublada pela arrogância sábia, Maria Helena da Rocha Pereira parecia ter presente em cada obra a história das sucessivas edições e traduções da mesma, da Antiguidade ao tempo presente. A tradução dos grandes trágicos atenienses, Sófocles (Antígona; Ajax) e Eurípedes (Media; As bacantes; As troianas), trabalho a que consagrou duas décadas, foi precedida, em 1972, pela tradução de A República, de Platão, uma das obras filosóficas mais marcantes do pensamento humano e uma das mais ousadas aventuras da história da tradução em Portugal.


Ofereceu, também, ao convívio dos leitores portugueses obras de consagrados helenistas que abriam novos horizontes para a compreensão dos fundamentos das duas civilizações mediterrânicas que mais profundo sulco deixaram na construção do mundo ocidental (Os gregos, de H. D. F. Kitto; e Mito e mitologia, de Walter Burket), num tempo em que se redescobria – através da Filosofia, de Nietzsche a Foucault, e da Psicanálise, na voga estruturalista – os inquietantes subterrâneos do comportamento humano, do irracional, dos mistérios e do mito.


O pioneirismo parece ter sido inseparável companheiro de Maria Helena da Rocha Pereira. Primeira mulher portuguesa doutorada em Coimbra após anos de estudo em Oxford, com tese intitulada Conceções helénicas de felicidade no Além: de Homero a Platão (1955), primeira mulher catedrática, assumiu sempre a incompletude de quem estuda, deparando-se a cada passo com o desconhecido e até com o erro, expressões da fragilidade da condição humana, sem deixar de oferecer a persistente marca desse heroísmo do espírito a que hoje, no momento do seu desaparecimento físico, a Biblioteca Nacional de Portugal lhe rende homenagem.