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Apoio: 


Os livros de Bob Dylan

DESTAQUE | 25 out. - 10 dez. '16 | Sala de Referência: Vitrine | Entrada Livre
ENCONTRO / DEBATE com António M. Feijó, Miguel Tamen e Telmo Rodrigues | 23 nov. | 18h30 | Entrada livre

Talvez a imagem mais evocativa que temos de Bob Dylan venha das canções do princípio de carreira, aquelas animadas pelas preocupações políticas como «Masters of War» ou «A Hard Rain’s A-Gonna Fall». A imagem do hippie velho e desatualizado é, porém, errónea e ignora a importância artística de Dylan nas últimas décadas.

Dylan é muito mais do que o compósito entre o cantor de intervenção e o hippie dos anos sessenta que continuamente serve para o descrever. Em primeiro lugar, é o autor de algumas das obras mais interessantes da música moderna: começando no seu período áureo, em que editou consecutivamente Bringing it all Back Home (1965), Highway 61 Revisited (1965) e Blonde on Blonde (1966); mas também quando transportou a sua vida pessoal para Blood on the Tracks (1974) ou mais tarde quando editou Oh Mercy (1989) e, sobretudo, a obra-prima Time out of Mind (1997).

Olhando para trás, a natureza do génio que enforma estas obras não encontra continuidade, impondo inflexões surpreendentes à obra. Ao génio histriónico de Blonde on Blonde, por exemplo, seguiu-se outra obra-prima, John Wesley Harding (1967), onde recupera as estruturas mais convencionais da música tradicional americana. Simultaneamente, estava a gravar, com os membros de The Band, as Basement Tapes, obra considerada crucial por críticos tão relevantes como Greil Marcus.

As inflexões na obra não foram sempre de índole artística; no período em que Dylan se converteu ao cristianismo, por exemplo, o seu ímpeto criativo foi novamente exacerbado e produziu sucessivamente, entre 1979 e 1981, três discos. A temática cristã ocupa grande parte desse período e embora alguns defendam que o génio de Dylan continua presente, muitos querem esquecer esses anos — tal como o próprio pretendeu fazer, nos anos que se seguiram, em que tentou recuperar o fulgor da sua carreira através de associações a músicos como Mark Knopfler ou os Grateful Dead.

Contar a história de Dylan é, também por isso, acompanhar a evolução e a progressão de uma obra por muitos caminhos, seguir as evoluções e regressões intelectuais de um artista. Quando foi acusado de trair os ideais políticos associados ao movimento folk, por introduzir instrumentos elétricos nas suas canções, as preocupações de Dylan já estavam demasiado distantes das dos primeiros discos. Como as canções acompanharam, estilisticamente, as posições intelectuais, emocionais, políticas ou religiosas do autor, coerentes com ele mas nunca entre elas, muitos consideram-nas produto de diferentes personae.

Olhar para a carreira de Dylan é, portanto, olhar para um autor que se moveu por diferentes correntes e que atravessou diversas fases; é perceber que mesmo no seu pior momento criativo, ainda era capaz de produzir canções extraordinárias, como «Blind Willie McTell», escrita em 1983.

As muitas páginas que as letras das canções de Dylan enchem, e que parecem não satisfazer quem critica a decisão da Academia Sueca, não são apenas um catálogo do trabalho do autor mas, e sobretudo, o registo de uma vida. Contudo, a poesia de Dylan está na música, na sua interpretação das canções que escreve.

A exposição dos livros que Dylan escreveu, e que não lhe granjearam o prémio Nobel, é apenas evocativa do artista, coisas que o rodearam e à volta das quais a obra foi concebida; uma tentativa de repor aos olhos do público uma imagem mais correta de uma vida. Se Tarântula (1971) é hoje, justamente, esquecido, as Crónicas (2004) são, apesar de tudo, um livro extraordinário onde o génio de Dylan está plenamente demonstrado.

Talvez se possa argumentar que Dylan não necessitasse de um Nobel para que soubéssemos da sua importância; mas o facto de o prémio permitir que Dylan seja hoje celebrado em espaços como as bibliotecas é já suficiente para o aceitarmos como um bem necessário, mesmo que vilipendiado.

Telmo Rodrigues
(Doutorado em Teoria da Literatura pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa)