|
2 de Junho a 12 de Setembro de 2008 na Sala de Referência | Entrada livre
MOSTRA BIBLIOGRÁFICA
Encontro do Português com as Línguas não Europeias: textos interlinguísticos
Comemorando o Ano Europeu do Diálogo Intercultural, a Biblioteca Nacional de Portugal expõe, entre 2 de Junho e 12 de Setembro, um conjunto de documentos relativos à “aventura da língua portuguesa” no encontro com as civilizações transeuropeias e suas línguas. Como refere o Comissário - Professor Telmo Verdelho - no catálogo que acompanha a mostra bibliográfica, apresenta-se, parcialmente, a memória histórica da relação interlinguística das numerosas línguas não europeias com o português que, a partir de Ceuta (1415), se alargou a toda a África e depois à América do Sul, Ásia e Oceania.
Organizada em 4 núcleos temáticos: 1) Percursos e espaços da língua portuguesa no mundo: a expansão marítima e o encontro interlinguístico; 2) Contactos próximos: o árabe e o hebraico; 3) A produção interlinguística no âmbito da missionação: manuscritos e impressos relativos a África, Oriente e Brasil; 4) Lexicografia contemporânea e investigação, a mostra testemunha a produção histórica e a reflexão metalinguística sobre a diversidade das línguas e culturas, e as dificuldades inerentes à intercomunicação, no relacionamento dos portugueses com os povos das Descobertas. As viagens de exploração dos litorais e o comércio, as relações diplomáticas, as campanhas de África e, com grande destaque, a missionação, são aspectos do mesmo esforço de compreensão da diferença, que os documentos agora apresentados testemunham.
No 1º núcleo, dominado pela figura do Beato José de Anchieta (1534-1597, S.J.) e pelo Atlas da Língua Portuguesa no Mundo, apresentam-se, graficamente, os caminhos da expansão do português e do seu encontro civilizacional, ponto de partida para a actual situação da língua portuguesa no mundo. Foi cimento de uma comunidade alargada que a escolheu como língua oficial comum (CPLP) e língua viva veiculada por muitas outras comunidades dispersas. Encontram-se neste núcleo múltiplas indicações da consciência da diferença das línguas e culturas; valoriza-se a importância que começa a ser atribuída ao intercâmbio linguístico e documenta-se o envolvimento da língua portuguesa na certificação da aventura e no conhecimento dos novos mundos. Destacam-se, entre outros exemplos, três marcos memoráveis da história da língua: um pequeno glossário da “linguagem de Calecut”, inserido no Diário da viagem de Vasco da Gama, da pena de Álvaro Velho que inaugura, ainda no século XV, o encontro interlinguístico da Europa e do alfabeto latino com o remoto Oriente; a Carta do achamento, de Pêro Vaz de Caminha - primeiro texto português, escrito no Brasil (1500); e o primeiro poema impresso de Luís de Camões - a ode ao Conde do Redondo, Vice-Rei da Índia e seu protector - inserido nos Colóquios dos Simples e Cousas Medicinais da Índia de Garcia de Orta (Goa, 1563).
O 2º núcleo documenta o encontro do português com as línguas semitas, nomeadamente o árabe e o hebraico. Estas línguas repercutiram-se, em parte, na formação da língua portuguesa. O convívio com o árabe iniciou-se com a invasão e ocupação muçulmana da Península Ibérica (711); prosseguiu na campanha do norte de África (sécs. XV e XVI); e prolongou-se na memória lexical portuguesa, numa herança moçárabe muito abrangente. Encontra-se na toponímia e num vocabulário abundante; nomeia vários objectos e factos da vida quotidiana, da actividade artesanal, da agricultura, da administração pública, do comércio e da organização militar. O primeiro roteiro impresso conhecido deste vocabulário, de origem árabe, é o de Frei João de Souza, Vestígios da Língua Arábica em Portugal (1789).
A ligação do hebraico ao português foi motivada, não só pela influente e alargada comunidade israelita, mas também pela tradição bíblica e litúrgica da religião cristã, que explica o aportuguesamento de muitos nomes próprios e palavras de origem judaica, e que justificou a inclusão da língua hebraica no curriculum humanista a par do grego e do latim, para a interpretação cuidada das Sagradas Escrituras. Os judeus portugueses empreenderam a publicação de textos hebraicos, entre as produções inaugurais da tipografia em Portugal; aplicaram-se ao estudo das línguas, foram gramáticos, dicionaristas, cartógrafos e intérpretes. Um deles, Jerónimo Cardoso, compôs um dicionário com a primeira alfabetação da língua portuguesa (1562).
O 3º núcleo - dedicado à missionação e à sua projecção para África, primeiro, Oriente e Brasil, depois - é de fulcral importância. Aqui enfileiram os textos interlinguísticos mais sistemáticos, e determinados pela necessidade decorrente da divulgação da Fé cristã (religião de mensagem) que assume a palavra e o livro (Bíblia) como seus veículos privilegiados. Os dicionários e glossários das línguas orientais atestam os esforços dos missionários na interpretação das línguas nativas e retêm memórias e gestos do encontro intercultural que lhes subjaz. A necessidade da compreensão dos dialectos era imperiosa para a pregação e para ministrar os Sacramentos (por exemplo, a confissão exige o contacto directo com o sacerdote, sem a mediação dos intérpretes). Dos esforços de aprendizagem das línguas e do seu ensino aos noviços, nascem as primeiras gramáticas e o letramento ou transcrição da sua escrita no alfabeto latino, algumas dessas línguas eram conhecidas apenas pela oralidade. A chegada da tipografia, primeiro a Goa (1556), depois a Macau (1584) e ao Japão (1591) e, no séc. XIX, ao Brasil e a África, estimulou a publicação e proliferação de manuais de ensino, cartinhas ou cartilhas, dicionários, catecismos etc. Este núcleo central oferece uma imagem panorâmica, mas forçosamente abreviada, em relação à numerosa produção, manuscrita e impressa, da linguística missionária participada pela língua portuguesa. É, em todo o caso, suficiente para avaliar a dimensão desse convívio interlinguístico que abrange a dicionarização de línguas tão distantes como o concanim ou o tétum; a transliteração de dialectos brasílicos e angolanos; e a interpretação alfabética de línguas com outras tradições de escrita, numa tentativa de intercâmbio com os mais desvairados modos de falar. Todo este trabalho ficou a dever-se à generosidade de missionários, seculares e religiosos, especialmente jesuítas, franciscanos, dominicanos e beneditinos. Poderão citar-se os nomes dos padres Henrique Henriques, S. J. (1536-1608), Tomás Estêvão, S.J (1549-1619), Matteo Ricci, S. J. (1552-1610), João Rodrigues, S. J. (1561-1633), Pedro Dias, S.J. (1621-1700) e Vincenzo Mamiani, S.J. (1652-1730); Bernardo Maria de Cannecatim, O.F.M. (17--); João de Sousa, O.F.M. (1734-1812); entre muitos outros que mereceriam justa lembrança.
O 4º e último núcleo, dedicado à realidade actual do convívio do português com as línguas não europeias, oferece uma breve alusão à conjuntura da língua portuguesa no mundo de hoje. Destacam-se as solicitações de comunicação em parceria com as grandes línguas do Oriente (especialmente o chinês e o japonês) que têm dado lugar a uma significativa produção interlinguística. Por outro lado, valoriza-se a dimensão etnolinguística, com a assistência da língua portuguesa na descrição e no estudo das línguas em situação de memória frágil, na África e, especialmente no Brasil.
No seu conjunto, a exposição faculta uma perspectiva esclarecedora sobre o confronto do português com línguas que verbalizam civilizações e mundos diferentes. Telmo Verdelho sintetiza-o no final do catálogo: “o mosaico linguístico contactado foi amplíssimo e de uma pluralidade difícil de contar. Os ouvidos portugueses, nos quatro cantos do mundo, escutaram centenas de línguas e podemos supor que terão querido decifrá-las todas, com generosidade e proveito para um bom entendimento. Confrontaram-se com sistemas fonéticos e de escritas que, ao primeiro contacto, desafiavam todas as regras da articulação harmoniosa dos sons e as leis da simetria, do equilíbrio e do número, na construção das letras. Ouviram estranhas maneiras de falar. Descobriram muitas línguas que se não escreviam e que eles souberam reduzir a alfabeto.” Com efeito, a alfabetação latina, transportada ao mundo por Portugal, foi referência estruturante para o thesaurus das bibliotecas modernas e das tecnologias da informação. “Ao leme das naus, a língua foi muito além dos marinheiros que a levaram.”
A mostra é enriquecida por algumas peças ultramarinas, gentilmente cedidas pelo Museu Nacional de Etnologia e por coleccionadores particulares.
Visitas Guiadas: Inscrições através do Serviço de Relações Públicas da BNP. Telefones: 21 798 2068 / 21 798 2428 ou do endereço rel_publicas@bnportugal.pt
Horário
de visita à Exposição: |
Dias úteis:
10h - 19h
Sábados: 10h -17h
Encerra domingos e feriados
|
|